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segunda-feira, 10 de julho de 2017

INSTITUTO IKTUS

NÚCLEO DE PSICANÁLISE CLÍNICA


RENATA ZANGERÓLAME DE OLIVEIRA





MÓDULO XXI
PSICOPATOLOGIA





CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM
2017


Conceitos Fundamentais de Psicopatologia Descritiva

  A aplicação precisa da psicopatologia descritiva na prática da psiquiatria é necessária, no mínimo, pelas três razões seguintes: 
 1. A psicopatologia descritiva é a ferramenta profissional fundamental do psiquiatra; ela é possivelmente, a única ferramenta diagnóstica exclusiva do psiquiatra.
2. A psicopatologia descritiva diz respeito mais do que à simples realização de uma entrevista clínica com o paciente, ou, até mesmo, ter que escutá-lo, embora deva envolver ambos, necessariamente.
 3. A psicopatologia descritiva tem utilidade e aplicação clínica.
A psicopatologia é o estudo sistemático do comportamento, da cognição e da experiência anormais; o estudo dos produtos de uma mente com um transtorno mental. Isto inclui as psicopatologias explicativas, nas quais existem supostas explicações, de acordo com conceitos teórico. A psicopatologia descritiva consiste, portanto de duas partes distintas: a observação do comportamento e a avaliação empática da experiência subjetiva. A observação acurada é extremamente importante e um exercício muito mais útil do que simplesmente contar os sintomas; às vezes o uso servil de listas de sintomas, para a verificação de sua presença ou ausência, tem impedido a observação clinica genuína. A outra parte da psicopatologia descritiva - e a mais difícil - avalia a experiência subjetiva. Empatia, como termo psiquiátrico, significa literalmente "sentir-se como". Ela é usada ocasionalmente por certos profissionais que cuidam de pacientes como um sentimento caloroso e afável em relação às adversidades de outras pessoas. Na psicopatologia descritiva o conceito de empatia é um instrumento clínico que precisa ser utilizado com habilidade para medir o estado subjetivo interno de outra pessoa usando a capacidade do próprio observador para a experiência emocional e cognitiva como um critério de medida. Isto é alcançado por um questionamento preciso, pleno de insight, persistente e informado, até que o médico seja capaz de oferecer um relato sobre a experiência subjetiva do paciente que este possa reconhecer como sendo realmente seu. Se a descrição do médico sobre a experiência interna do paciente não é reconhecida por este como sendo sua, o questionamento deve continuar até que a experiência interna seja reconhecidamente descrita. Um dos métodos mais freqüentes de classificação de doença mental é pela categorização de experiências descritas por pessoas mentalmente doentes e da definição dos termos utilizados, tais como "depressão" ou "ansiedade". Para o progresso no prognóstico e no tratamento, tal classificação é essencial. Ao tentar entender as experiências subjetivas de uma pessoa que sofre, o terapeuta demonstra um envolvimento e o paciente provavelmente terá maior confiança no tratamento. Para que a nosologia psiquiátrica possa ser melhorada, é necessária uma observação acurada dos fenômenos com os quais nos confrontamos.  O que uma pessoa obviamente afetada por uma doença mental está realmente sentindo? De que forma suas próprias experiências assemelham-se ou diferem da experiência dos outros - tanto daqueles que estão bem quanto dos que estão doentes? É importante haver um esquema para organizar os fenômenos que ocorrem.     A psicopatologia refere-se a toda experiência, cognição e comportamento anormais. A psicopatologia descritiva evita explicações teóricas para eventos psicológicos. Ela descreve e categoriza a experiência anormal como relatada pelo paciente e observada pelo seu comportamento. Em seu contexto histórico, Berrios (1984) a descreve como um sistema cognitivo constituído por termos, suposições e regras para a sua aplicação - "a identificação de classes de atos mentais anormais". Fenomenologia é o estudo de eventos , psicológicos ou físicos, sem "enfeitá-los" com explicação de causa ou função. Quando usada em psiquiatria, a fenomenologia envolve a observação e categorização de eventos psíquicos anormais, as experiências internas do paciente e seu comportamento conseqüente.  Jaspers (1963) escreveu: "A fenomenologia, apesar de ser uma das pedras fundamentais da psicopatologia, é ainda muito tosca". Um dos grandes problemas da utilização deste método é a natureza confusa da terminologia. Idéias quase idênticas podem receber diferentes nomes por pessoas de diferentes bases teóricas- por exemplo, a abundância de descrições acerca de como uma pessoa pode conceituar a si mesma: auto-imagem, percepção do corpo, catexia.     Há uma confusão considerável a respeito do significado do termo fenomenologia. Berrios (1992) descreveu quatro significados em psiquiatria :
 "P1 refere-se ao seu uso clínico mais comum, como um mero sinônimo para ‘sinais e sintomas’ (como em psicopatologia fenomenológica); este é um uso que se degenerou e, portanto é conceitualmente desinteressante.
 P2 refere-se a um sentido pseudotécnico freqüentemente utilizado em dicionários e que alcança uma falsa unidade de significado ao simplesmente catalogar usos sucessivos em ordem cronológica; esta abordagem é equivocada, já que sugere linhas evolutivas falsas e deixa em aberto questões importantes relacionadas à história da fenomenologia.
P3 refere-se ao uso idiossincrásico iniciado por Karl Jaspers que dedicou seus primeiros escritos clínicos à descrição de estados mentais de uma maneira que (de acordo com ele) era empática e teoricamente neutra.
 Finalmente, P4 refere-se a um sistema filosófico completo iniciado por Edmund Husserl e continuado por autores coletivamente incluídos no chamado "Movimento Fenomenológico". A fenomenologia é um método empático que evidencia os sintomas, mas que não pode ser aprendida por meio de livro. Os pacientes são os melhores professores, mas é bom saber o que se está procurando, os aspectos práticos, clínicos, pelos quais o paciente descreve a si mesmo, seus sentimentos e seu mundo. O médico tenta interpretar a natureza da experiência do paciente – entendê-la suficientemente bem e senti-la tão intensamente a ponto de que o relato de seus achados permita o reconhecimento do paciente.

SAÚDE NORMAL
Algumas palavras são usadas comumente, mas de um modo inconsistente; portanto, apesar de sabermos o que pretendemos dizer com elas, somos incapazes de supor que outras pessoas as utilizam da mesma maneira. Duas dessas palavras são normal e saudável.
Saúde / Doença
A psicopatologia preocupa-se com a doença da mente. O que é doença, porém? Trata-se de um tema vasto, que tem sido discutido por filósofos, teólogos, administradores e advogados, assim como por médicos. Os profissionais que passam a maior parte do tempo de seu trabalho em meio à saúde e à doença raramente fazem esta pergunta, e com menos freqüência tentam respondê-la.
1 - A definição da Organização Mundial de Saúde afirma: "Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou enfermidade" (1946). Se o total bem-estar é um requisito, talvez praticamente todos estejamos excluídos.

2 - A doença pode ser considerada em termos físicos, como na afirmação de Griesinger (1845), de que "doenças mentais são doenças do cérebro". Embora esta alegação ajuste-se aos estados psiquiátricos orgânicos e possa abranger a deficiência de aprendizagem (retardo mental), não é muito simples tentar incluir nesta definição todos os transtornos "neuróticos" e os psicóticos; por outro lado, de forma alguma os transtornos de personalidade não se encaixam aqui.
3 - De modo semelhante, as doenças podem ser descritas como aquelas condições que o médico trata. Ao definir isto Kräupl Taylor (1980) declarou: "Para ser paciente é necessário e suficiente a experiência vivida por uma pessoa ao sentir a necessidade de tratamento, ou, no seu meio, que deve receber tratamento".
4 - A doença pode ser considerada como uma variação estatística da norma, trazendo em si mesma desvantagem biológica. Isto foi formulado por Scadding (1967) para a doença física e desenvolvido para a doença psiquiátrica por Kendell (1975). Desvantagem biológica implica fertilidade reduzida e/ou vida mais curta.
5 - A doença tem implicações legais. Por exemplo, as circunstâncias que resultam em doença podem dar direito à compensação legal; se o comportamento resulta da doença, isto pode reduzir a pena. Da mesma maneira, a doença mental é um conceito que pode justificar detenção compulsória em um hospital (Lei da Saúde Mental, 1983; Blugass, 1983) e criminosos mentalmente enfermos são tratados pela lei de uma maneira diferente de outros criminosos (Bluglass e Bowden, 1990).

Normalidade/Anormalidade
 A palavra normal é usada corretamente no mínimo em quatro sentidos na língua inglesa (Mowbray, Rodger e Mellor, 1979). Estes consistem das normas de valor, estatística, individual e tipológica.
*A norma de valor tem o ideal como seu conceito de normalidade. Assim, a afirmação "é normal ter dentes perfeitos" está usando a palavra normal em sentido de valor - na prática, a maioria das pessoas tem, no mínimo, algum problema com seus dentes.
*A norma estatística, naturalmente, é o uso preferencial que a palavra retém no vocabulário científico. O anormal é considerado aquele que fica fora da faixa média. Se um inglês normal mede 1m80cm, ter 1m60cm ou 1m90cm é estatisticamente anormal.
*A norma individual é o nível consistente de funcionamento que um indivíduo mantém ao longo do tempo. Após uma lesão cerebral, uma pessoa pode experimentar um declínio na inteligência, que é certamente uma deterioração de seu nível individual prévio, mas tal diminuição pode não representar qualquer anormalidade estatística.
 *A anormalidade tipológica é um termo necessário para descrever-se a situação em que uma condição é considerada como normal em todos os três significados anteriormente citados e, contudo representa anormalidade, talvez mesmo uma doença. O exemplo dado por Mowbray e colaboradores é a doença infecciosa pinta. As manchas cutâneas causadas por esta doença são altamente valorizadas pelos índios sul-americanos, a tal ponto que os que não têm esta doença são excluídos da tribo.

Amostra Psiquiátrica: População Geral
     Na discussão de saúde e normalidade, é importante apontar as generalizações perigosas que surgem quando o psiquiatra, normalmente contra sua vontade, é colocado na posição de perito na conduta total da vida. Não podemos extrapolar do anormal para o normal; eles tendem a não estar situados em uma linha contínua, mais em vez disso, são qualitativamente diferentes. A amostra de pessoas que vai a um psiquiatra é diferente, em muitos aspectos, daquela que consulta seu médico de família com sintomas psicológicos, sendo que esta população da clínica geral também difere da população em geral (Goldberg e Huxley,1980).  Normalmente, existe um desejo de se raciocinar do particular para o geral. Com base em nossa experiência com pacientes esquizofrênicos jovens em um hospital-escola, fazemos generalizações sobre esquizofrenia. Para sermos capazes de fazer isto devemos saber que os pacientes que estamos atendendo (nossa amostra da população) são representativos da população-alvo (esquizofrênicos). Somente poderemos fazer está afirmação se nossa amostra foi selecionada aleatória na população total dos esquizofrênicos, de modo que todos os esquizofrênicos tenham tido uma probabilidade conhecida, igual e maior do que zero de entrar em nossa amostra.

O Comum/o Esotérico
A psicopatologia descritiva às vezes corre o risco de cair no esotérico, com um interesse excessivo por síndromes raras. A fim de ter uso prático, é necessário que se concentre nas manifestações de anormalidade que são comuns a muitos pacientes:
1. A observação de um fenômeno sem teoria preconcebida é útil para a conciliação entre diferentes escolas de psicopatologia.
2. O requisito de uma definição precisa formar uma base para uma pesquisa sólida. Síndromes raras têm seu valor para o aprendizado de habilidades psicopatológicas, mas o interesse nelas não deve ocorrer em detrimento de seu uso mais importante – ainda que mais corriqueiro na prática clínica (Sims, 1982).


COMPREENDENDO SINTOMAS DOS PACIENTES
O entendimento, tanto no sentido cotidiano quanto no fenomenológico, não pode ser completo, a não ser que o médico tenha um conhecimento detalhado da base cultural do paciente e de informações específicas sobre sua família e seu ambiente imediato. A fenomenologia também não pode concentrar-se somente no indivíduo isolado, observado em um determinado momento de sua vida. Deve-se preocupar com a pessoa em um contexto social: acima de tudo, a experiência de uma pessoa é amplamente determinada por suas interações com os outros.
Sintoma/Sinal
O paciente queixa-se de sintomas, como se sentir agitado e desconfortável no calor, com hipertireoidismo. Sinais físicos são detectados no exame: um leve bócio com ruído audível, perda de peso, pulso rápido e exoftalmia. A descrição do paciente de um fenômeno mental anormal é geralmente chamada de sintoma, quer ele queixe-se de algo que o perturba, ou simplesmente descreva sua experiência mental, que parece patológica para um observador. O sintoma, pois, considerado como incluindo o sinal, pode ser uma queixa (p.ex., um sentimento de infelicidade) ou um item de descrição fenomenológica que pode não representar queixa do paciente (p.ex., ouvir vozes que discutem baixinho sobre o paciente, com perplexidade e admiração). O sentimento de infelicidade pode ser um sinal de doença depressiva; as alucinações auditivas podem ser um sinal de esquizofrenia. Há, também, sintomas ou sinais comportamentais, como no paciente que grita para o teto – isto pode ser considerado como um sinal que sugere alucinação auditiva.
O Método de Empatia: o Método de Observação e Experimentação
   O método clássico na medicina, de obter informações sobre o paciente, ocorre a partir da anamnese e do exame físico. O uso da fenomenologia em psiquiatria é uma extensão da anamnese, no sentido de que amplia a descrição da queixa presente para dar informação mais detalhada. É, também, um exame, já que revela o estado mental. Não é possível para mim, o médico, observar a alucinação de meu paciente, nem medi-la de maneira direta. No entanto, para compreendê-lo, posso utilizar as características humanas que tenho em comum com ele, isto é, minha habilidade para perceber e usar a linguagem que compartilho com ele. Ouvir e observar são cruciais para o entendimento. Deve-se tomar muit cuidado ao se fazerem perguntas. Os médicos muitas vezes identificam sintomas incorretamente e fazem o diagnóstico errado pois fizeram perguntas capciosas com as quais o paciente, por meio de sua submissão ao status do médico e ansiedade para cooperar, está completamente disposto a concordar. A proposta do método fenomenológico, portanto, é a seguinte:
 (1) descrever experiências internas;
(2) ordená-las e classificá-las;
 (3) criar uma terminologia confiável.
A empatia também é de grande valor terapêutico no estabelecimento de uma relação com o paciente. Saber que o médico entende, e que é capaz de compartilhar de seus sentimentos, dá ao paciente confiança e sensação de alívio.

O Todo Não-Diferenciado – A Parte Significativa
Geralmente, uma classificação de qualquer espécie requer o exame detalhado de uma grande quantidade de material, para a identificação do indício, pequeno, mas significativo. Isto se aplica à fenomenologia, na qual a parte significativa do material psicológico para avaliação fenomenológica pode ocorrer dentro de uma longa anamnese e exame, onde a maior parte da conversa do paciente não revela qualquer evidência de doença. O uso da fenomenologia para a avaliação no estado mental pode ser comparado com o exame do campo no microscópio. Não se pode esperar extrair algum sentido da amostra de sangue apenas olhando e focalizando. Deve-se mover a lâmina e conseguir um bom exemplo para demonstrar o ponto de interesse da massa não-diferenciada.
Comportamento Aleatório/Significado
Um homem andando de bicicleta ao redor de um canal encontrou outro homem, robusto, caminhando na direção oposta e carregando um tubo de borracha. Este levantou o tubo e o bateu no ombro do ciclista, quase o empurrando para dentro do canal. Ao chegar na cidade mais próxima, o ciclista registrou a agressão na polícia local, que prendeu o agressor. A polícia considerou seu comportamento sem sentido e, portanto, solicitou a opinião de um psiquiatra. Quando questionado a respeito da razão pela qual havia agredido o ciclista, o homem respondeu que tinha sentido uma dor em seu estômago e ouviu uma voz dizendo: “Bata no homem da bicicleta e a dor irá passar”; e foi o que ele fez. Um leigo qualquer, comentando o “comportamento maluco”, pode dizer que este não tem sentido; mas, como o significado não é sempre aparente para um observador ou mesmo para a vítima, não se pode negar que não é real, apesar de psicótico, para o paciente: “Uma ação é, a princípio, intencional” (Sartre, 1943). É importante tentar alcançar o significado subjetivo do paciente e não somente ficar satisfeito porque a resposta é anormal. O significado fenomenológico é, algumas vezes, revelado no tipo de resposta; por exemplo, quando se pediu a um paciente esquizofrênico que explicasse a diferença entre uma parede e uma cerca, ele respondeu: “Você pode ver através de uma cerca, mas as paredes têm ouvidos” (Rawnsley, 1985, comunicação pessoal).

Compreensão/Explicação
Iniciamos com a premissa de que o comportamento significa algo, isto é , que surge com consistência interna, a partir de eventos psíquicos. Embora o comportamento de um paciente possa ser significativo para ele, pode não ser possível para nós, os observadores externos, entendê-lo. Existem muitos níveis nos quais podemos entender. Jaspers contrastou compressão (verstehen) com explicação (erklären) e mostrou como estes termos podem ser usados no sentido tanto estático quanto genético. Estático significa compreender ou explicar a presente situação a partir das informações disponíveis; genético, como atingiu este estado pelo exame de seus antecedentes, como será observado a seguir:
1. Se quisermos encontrar significado em um determinado momento no tempo, o método da fenomenologia é apropriado. A experiência subjetiva do paciente é dissecada formando-se um quadro estático do que tal pensamento ou tal evento significaram para ele naquele determinado momento. Não é feito qualquer comentário de como o evento surgiu e nem alguma previsão ao que acontecerá depois. O significado é simplesmente extraído como uma descrição do que o paciente está experimentando e o que isto significa para ele agora.
2. A compreensão genética, em oposição à compreensão estática, preocupa-se com um processo. Entende-se que, quando insultado, este homem reage com violência; quando esta mulher ouve vozes comentando sobre suas ações, ela fecha as cortinas de sua casa. Para compreender a maneira como os acontecimentos psíquicos originam-se um dos outros na experiência do paciente, o terapeuta usa a empatia como um método ou ferramenta. Ele coloca-se na situação do paciente. Se este primeiro acontecimento tivesse ocorrido com ele nas circunstâncias totais do paciente, o segundo evento, que foi a reação do paciente ao primeiro, ocorreu dentro do esperado, com alguma margem de certeza. Ele compreende os sentimentos atribuídos ao paciente a partir da ação que deles resulta.

3. A explicação estática refere-se à percepção sensorial externa, à observação de um acontecimento.
4. A explicação genética consiste na descoberta de conexões causais: ela descreve uma cadeia de eventos e por que eles seguem esta seqüência. Compreender e explicar são partes necessárias da investigação psiquiátrica.
Jaspers faz uma distinção importante entre o que é significativo e permite empatia, e o que é, em última instância, incompreensível – a essência da experiência psicótica. Apesar de o observador possivelmente empatizar com o conteúdo de um delírio de um paciente em qualquer situação particular, ele não pode compreender ou ver uma conexão significativa na ocorrência do delírio por si só. O delírio como um evento não é compreensível: para o médico, parece incompreensível e irreal.
Primário: Secundário
 Jaspers discute os diferentes significados que podem ser atribuídos aos vocábulos primário e secundário quando aplicados a sintomas. A distinção pode ser em termos de compreensão, no sentido de que o primário não pode ser reduzido adicionalmente pelo entendimento; por exemplo, nas alucinações, na medida em que o secundário é o que surge do primário de uma maneira que possa ser compreendida; por exemplo, a elaboração delirante que surge da parte saudável da psique em resposta a alucinações que surgem da parte não-saudável da psique. Estes dois significados distintos do termo primário obscurecem a distinção crucial entre conexões significativas e conexões causais. Para evitar dúvidas em física e química, fazemos observações por meio de experimentos e então formulamos conexões e leis causais, ao passo que, em psicopatologia, experimentamos outro tipo de conexão, na qual eventos psíquicos emergem uns dos outros de uma maneira que pode ser compreendida – as chamadas conexões significativas (Robinson, 1984, comunicação pessoal).

A ANÁLISE DE EXPERIÊNCIA
O que o paciente considera importante ao oferecer a história de seus sintomas e causas de aflição pode não ser necessariamente idêntico ao que o médico ou examinador considera importante. O médico pode muito bem estar tentando determinar as entidades psicopatológicas que estão presentes, talvez para fazer um diagnóstico, enquanto o paciente está preocupado em comunicar a agonia que vive, sua intensidade e a forma como esta é percebida como uma ameaça.
Predição/Quantificação
Na acusação feita à psiquiatria – de não ser científica por não ser quantificável – existem duas percepções incorretas. Em primeiro lugar, a quantificação não é fundamental para a ciência, mas secundária. O fundamental, para o conhecimento fatual ou ciência, é que esta tenha uma qualidade suficientemente boa para ser preditiva. Em segundo lugar, é possível quantificar a psicologia subjetiva que tem usado a fenomenologia no estágio de formação de hipóteses. Popper (1959) introduziu o teste de falsificabilidade para a ciência: uma teoria pode ser falsificável como um critério de definição. A fenomenologia, a descrição do estado subjetivo do indivíduo, é falsificável: está disponível para a refutação, e parte do método empático diz respeito a convidar o paciente a refutar o relato do entrevistador sobre a experiência anterior do primeiro.
Forma: Conteúdo
 Como a urdidura e a trama, a forma e o conteúdo são essencialmente diferentes, mas estão inextricavelmente entrelaçados. É claro que o conceito filosófico de forma e conteúdo constitui uma ferramenta didática, um auxílio para o entendimento, e não deve ser usado de uma maneira concreta ou absoluta. O que é forma a um nível de classificação torna-se conteúdo em outro, como, por exemplo, artefatos de madeira podem incluir móveis como um dos muitos “conteúdos”, mas mobília, quando utilizada como uma “forma” pode também incluir outros artigos diferentes. A forma de uma experiência psíquica é a descrição de sua estrutura em termos fenomenológicos, como, por exemplo, um delírio. Visto assim, o conteúdo é o colorido da experiência. O paciente está preocupado pois acredita que estão roubando seu dinheiro. Sua preocupação é que “pessoas estão tirando meu dinheiro”, não que “eu mantenho uma falsa crença apoiada em razões inaceitáveis de que pessoas estão tirando meu dinheiro”. Ele está preocupado com o conteúdo. Uma paciente que disse: “Quando giro a torneira, ouço uma voz sussurrando no cano: ‘Ela está a caminho da lua. Vamos torcer para que ela faça uma aterrissagem suave’”. A forma desta experiência é o que exige a atenção do fenomenologista e é útil em termos de diagnóstico. Ela está descrevendo uma percepção: é uma falsa percepção auditiva e uma percepção auditiva falsa ou perturbada. Tem as características de uma alucinação e, especificamente, de uma alucinação funcional. Esta é a forma. A hipocondria é uma doença de conteúdo, mais do que de forma. A forma pode ser variada. Ela poderia tomar a forma de uma alucinação auditiva, na qual o paciente ouve uma voz dizendo: “Você tem câncer”; pode ser um delírio, quando ele acredita falsamente e com evidência delirante que tem câncer; pode ser, também, uma idéia supervalorizada, quando ele passa a maior parte do dia checando sua saúde, pois acredita que está doente; pode ser uma anormalidade de afeto, que se manifesta em extrema ansiedade hipocondríaca ou um desânimo hipocondríaco de fundo depressivo.
Subjetivo/Objetivo
 A objetividade na ciência passou a ser reverenciada como o ideal, de modo que somente o que é externo à mente é considerado real, mensurável e válido. Trata-se de um erro, porque necessariamente avaliações objetivas são subjetivamente carregadas de valor naquilo que o observador escolhe medir; e é possível tornar este aspecto subjetivo mais preciso e confiável. Há sempre julgamentos de valor associados a avaliações subjetivas e objetivas. O processo de fazer uma avaliação científica consiste de vários estágios: receber um estímulo sensorial, perceber, observar (tornar significativas as impressões), anotar, codificar e formular hipóteses. As avaliações objetivas na psiquiatria têm coberto muitos aspectos da vida. Alguns exemplos, além das muitas medições fisiológicas, são a medição de movimentos corporais, expressão facial, escritos do paciente, capacidade de aprendizagem, respostas a um programa de condicionamento operante, extensão da memória, eficiência ocupacional e avaliação do conteúdo lógico das afirmações do paciente.

Processo/Desenvolvimento
Da mesma maneira que o entendimento e a explicação dependem da perspectiva do entrevistador – empaticamente de dentro ou observando de fora - , assim processo ou desenvolvimento dependem do modo pelo qual a pessoa vivencia um acontecimento dentro de seu padrão usual de vida, ou fora do mesmo. O desenvolvimento significa que uma experiência é compreensível em termos da constituição e da história da pessoa; transtornos de personalidade seriam vistos como alterações do desenvolvimento. O processo é visto como a imposição de um evento “de fora”; a epilepsia seria experimentada como uma ocorrência da doença separada do desenvolvimento normal – o processo da doença interrompeu o curso normal da vida.
POSIÇÕES TEÓRICAS DA PSICOPATOLOGIA
Existe uma multiplicidade de psicopatologias. Qualquer explicação para o comportamento anormal tem o germe de uma teoria da psicopatologia. A psicopatologia descritiva tenta evitar os inúmeros argumentos etiológicos, satisfazendo-se com uma descrição do que ocorre, sem solicitar explicações adicionais. Já discutimos o pressuposto de que os fenômenos da doença mental têm significados próprios. Uma opinião radicalmente oposta afirma que qualquer experiência subjetiva é desprovida de significados. Pensamentos, incluindo o humor e os impulsos, são considerados como epifenômenos, isto é, o pensar não tem significado ou objetivo, sendo como a espuma da cerveja na parte de cima de um copo.
Psicopatologia Dinâmica Descritiva
A psicopatologia é o estudo dos processos psíquicos anormais. A psicopatologia descritiva preocupa-se em descrever as experiências subjetivas e também o comportamento resultante durante a doença mental. Ela não arrisca explicações para tais experiências ou comportamentos, nem comenta sobre a etiologia ou o processo de desenvolvimento. Esta abordagem para o fenômeno psíquico anormal contrasta de forma acentuada com outras molduras teóricas da psicopatologia, como a psicanalítica. Na psicanálise, no mínimo um de vários mecanismos supostamente ocorre, e o estado mental torna-se compreensível dentro deste referencial. Explicações do que ocorre no pensamento ou no comportamento baseiam-se nestes processos teóricos subjacentes, como transferência ou mecanismos de defesa do ego. Por exemplo, no caso de um delírio, a psicopatologia descritiva tenta descrever aquilo em que a pessoa acredita, como ela descreve sua experiência de acreditar, que evidências dá para sua veracidade e qual é o significado desta crença para sua situação de vida. A psicopatologia analítica ou dinâmica, no entanto, mais provavelmente tentaria explicar o delírio em termos de conflitos precoces reprimidos no inconsciente e que somente agora são capazes de ganhar expressão na forma psicótica, talvez com base na projeção. O conteúdo do delírio seria considerado uma chave importante para a natureza do conflito subjacente que tem suas raízes no desenvolvimento precoce. A psicopatologia descritiva não tenta dizer por que um delírio está presente: ela somente observa, descreve e classifica. A psicopatologia dinâmica ajuda a descrever como o delírio ocorreu e por que se trata deste delírio em particular, com base nas evidências da experiência no início da vida desta pessoa.
Consciente/Inconsciente
A fenomenologia não pode estar envolvida com o inconsciente, visto que o paciente não pode descrevê-lo, e, portanto, o médico não pode sentir empatia. A psicopatologia descritiva não possui uma teoria do inconsciente, nem nega sua existência. A mente inconsciente está simplesmente fora de seus termos de referência, e eventos psíquicos são descritos sem se recorrer a explicações que envolvam o inconsciente.
Orgânico: Sintomático
A psicopatologia é essencialmente uma abordagem não-biológica aos processos mentais anormais, de modo que, mesmo quando as causas orgânicas de uma condição são conhecidas, a psicopatologia está envolvida na ordenação dos sintomas e na experiência do paciente, mas não tem em sua patologia orgânica. Há agora muitas conexões conhecidas entre diferentes doenças psiquiátricas e uma patologia orgânica identificável. No entanto, não é com estas ligações que a psicopatologia preocupa-se, e sua utilidade não é dependente da localização de um delírio ou de qualquer outro evento psíquico no cérebro. No início, psiquiatras de orientação organicista, como Griesinger e Wernicke, não se preocupavam com o psicopatológico na psiquiatria, mas muito mais em mapear o cérebro do doente. Isto trouxe excelentes contribuições, como por exemplo, para a elucidação da natureza e para o tratamento da sífilis cerebral.
Cérebro/Mente
René Descartes (1596 – 1650) examinou, formulou e reafirmou pontos de vista sobre a separação entre corpo e mente. Ele descreveu “L’âme raisonable” – a alma que pensa está alojada na máquina, tendo sua sede principal no cérebro. Ele descreveu a alma como o engenheiro que alterava os movimentos da máquina, o corpo (1649). Descartes foi um homem de seu tempo, refletindo e desenvolvendo concepções dicotômicas da relação cérebro-mente. Um exemplo deste dualismo cartesiano, que ocorreu antes mesmo de Descartes, é a seguinte inscrição obituária para Lady Doderidge, que morreu em 1614: ”Como quando um relógio estragado é desmontado um relojoeiro toma suas pequenas peças e consertando o que encontra fora de ordem reúne tudo e o faz novamente operar também Deus esta dama tomou e suas duas partes separou demasiado cedo – sua alma e seu pobre corpo mortal Mas por Sua vontade seu corpo totalmente são será novamente unido à sua alma agora coroada Até então, os dois repousam na terra e no céu separados com o que reuniu tudo o que tem vida nós então nos regozijamos”.  Esta clara afirmação de uma absoluta separação entre corpo e alma encontrase em seu túmulo, que pode ser visitado na Catedral de Exerter.



 




  

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