INSTITUTO
IKTUS
NÚCLEO
DE PSICANÁLISE CLÍNICA
RENATA
ZANGERÓLAME DE OLIVEIRA
MÓDULO
XXI
PSICOPATOLOGIA
CACHOEIRO
DE ITAPEMIRIM
2017
Conceitos
Fundamentais de Psicopatologia Descritiva
A aplicação
precisa da psicopatologia descritiva na prática da psiquiatria é necessária, no
mínimo, pelas três razões seguintes:
1. A
psicopatologia descritiva é a ferramenta profissional fundamental do
psiquiatra; ela é possivelmente, a única ferramenta diagnóstica exclusiva do
psiquiatra.
2. A psicopatologia descritiva diz respeito mais do que à
simples realização de uma entrevista clínica com o paciente, ou, até mesmo, ter
que escutá-lo, embora deva envolver ambos, necessariamente.
3. A
psicopatologia descritiva tem utilidade e aplicação clínica.
A psicopatologia é o estudo sistemático do comportamento,
da cognição e da experiência anormais; o estudo dos produtos de uma mente com
um transtorno mental. Isto inclui as psicopatologias explicativas, nas quais
existem supostas explicações, de acordo com conceitos teórico. A psicopatologia
descritiva consiste, portanto de duas partes distintas: a observação do
comportamento e a avaliação empática da experiência subjetiva. A observação acurada
é extremamente importante e um exercício muito mais útil do que simplesmente
contar os sintomas; às vezes o uso servil de listas de sintomas, para a
verificação de sua presença ou ausência, tem impedido a observação clinica
genuína. A outra parte da psicopatologia descritiva - e a mais difícil - avalia
a experiência subjetiva. Empatia, como termo psiquiátrico, significa
literalmente "sentir-se como". Ela é usada ocasionalmente por certos
profissionais que cuidam de pacientes como um sentimento caloroso e afável em
relação às adversidades de outras pessoas. Na psicopatologia descritiva o
conceito de empatia é um instrumento clínico que precisa ser utilizado com
habilidade para medir o estado subjetivo interno de outra pessoa usando a
capacidade do próprio observador para a experiência emocional e cognitiva como
um critério de medida. Isto é alcançado por um questionamento preciso, pleno de
insight, persistente e informado, até que o médico seja capaz de oferecer um
relato sobre a experiência subjetiva do paciente que este possa reconhecer como
sendo realmente seu. Se a descrição do médico sobre a experiência interna do
paciente não é reconhecida por este como sendo sua, o questionamento deve
continuar até que a experiência interna seja reconhecidamente descrita. Um dos
métodos mais freqüentes de classificação de doença mental é pela categorização
de experiências descritas por pessoas mentalmente doentes e da definição dos
termos utilizados, tais como "depressão" ou "ansiedade".
Para o progresso no prognóstico e no tratamento, tal classificação é essencial.
Ao tentar entender as experiências subjetivas de uma pessoa que sofre, o
terapeuta demonstra um envolvimento e o paciente provavelmente terá maior
confiança no tratamento. Para que a nosologia psiquiátrica possa ser melhorada,
é necessária uma observação acurada dos fenômenos com os quais nos
confrontamos. O que uma pessoa
obviamente afetada por uma doença mental está realmente sentindo? De que forma
suas próprias experiências assemelham-se ou diferem da experiência dos outros -
tanto daqueles que estão bem quanto dos que estão doentes? É importante haver
um esquema para organizar os fenômenos que ocorrem. A psicopatologia refere-se a toda
experiência, cognição e comportamento anormais. A psicopatologia descritiva
evita explicações teóricas para eventos psicológicos. Ela descreve e categoriza
a experiência anormal como relatada pelo paciente e observada pelo seu
comportamento. Em seu contexto histórico, Berrios (1984) a descreve como um
sistema cognitivo constituído por termos, suposições e regras para a sua
aplicação - "a identificação de classes de atos mentais anormais".
Fenomenologia é o estudo de eventos , psicológicos ou físicos, sem
"enfeitá-los" com explicação de causa ou função. Quando usada em
psiquiatria, a fenomenologia envolve a observação e categorização de eventos
psíquicos anormais, as experiências internas do paciente e seu comportamento
conseqüente. Jaspers (1963) escreveu:
"A fenomenologia, apesar de ser uma das pedras fundamentais da
psicopatologia, é ainda muito tosca". Um dos grandes problemas da
utilização deste método é a natureza confusa da terminologia. Idéias quase
idênticas podem receber diferentes nomes por pessoas de diferentes bases
teóricas- por exemplo, a abundância de descrições acerca de como uma pessoa
pode conceituar a si mesma: auto-imagem, percepção do corpo, catexia. Há uma confusão considerável a respeito do
significado do termo fenomenologia. Berrios (1992) descreveu quatro
significados em psiquiatria :
"P1 refere-se
ao seu uso clínico mais comum, como um mero sinônimo para ‘sinais e sintomas’
(como em psicopatologia fenomenológica); este é um uso que se degenerou e,
portanto é conceitualmente desinteressante.
P2 refere-se a um
sentido pseudotécnico freqüentemente utilizado em dicionários e que alcança uma
falsa unidade de significado ao simplesmente catalogar usos sucessivos em ordem
cronológica; esta abordagem é equivocada, já que sugere linhas evolutivas
falsas e deixa em aberto questões importantes relacionadas à história da
fenomenologia.
P3 refere-se ao uso idiossincrásico iniciado por Karl
Jaspers que dedicou seus primeiros escritos clínicos à descrição de estados
mentais de uma maneira que (de acordo com ele) era empática e teoricamente
neutra.
Finalmente, P4
refere-se a um sistema filosófico completo iniciado por Edmund Husserl e
continuado por autores coletivamente incluídos no chamado "Movimento
Fenomenológico". A fenomenologia é um método empático que evidencia os
sintomas, mas que não pode ser aprendida por meio de livro. Os pacientes são os
melhores professores, mas é bom saber o que se está procurando, os aspectos
práticos, clínicos, pelos quais o paciente descreve a si mesmo, seus
sentimentos e seu mundo. O médico tenta interpretar a natureza da experiência
do paciente – entendê-la suficientemente bem e senti-la tão intensamente a
ponto de que o relato de seus achados permita o reconhecimento do paciente.
SAÚDE
NORMAL
Algumas palavras são usadas comumente, mas de um modo
inconsistente; portanto, apesar de sabermos o que pretendemos dizer com elas,
somos incapazes de supor que outras pessoas as utilizam da mesma maneira. Duas
dessas palavras são normal e saudável.
Saúde / Doença
A psicopatologia preocupa-se com a doença da mente. O que
é doença, porém? Trata-se de um tema vasto, que tem sido discutido por
filósofos, teólogos, administradores e advogados, assim como por médicos. Os
profissionais que passam a maior parte do tempo de seu trabalho em meio à saúde
e à doença raramente fazem esta pergunta, e com menos freqüência tentam
respondê-la.
1 - A definição da Organização Mundial de Saúde afirma:
"Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não
somente a ausência de doença ou enfermidade" (1946). Se o total bem-estar
é um requisito, talvez praticamente todos estejamos excluídos.
2 - A doença pode ser considerada em termos físicos, como
na afirmação de Griesinger (1845), de que "doenças mentais são doenças do
cérebro". Embora esta alegação ajuste-se aos estados psiquiátricos
orgânicos e possa abranger a deficiência de aprendizagem (retardo mental), não
é muito simples tentar incluir nesta definição todos os transtornos
"neuróticos" e os psicóticos; por outro lado, de forma alguma os
transtornos de personalidade não se encaixam aqui.
3 - De modo semelhante, as doenças podem ser descritas
como aquelas condições que o médico trata. Ao definir isto Kräupl Taylor (1980)
declarou: "Para ser paciente é necessário e suficiente a experiência
vivida por uma pessoa ao sentir a necessidade de tratamento, ou, no seu meio,
que deve receber tratamento".
4 - A doença pode ser considerada como uma variação
estatística da norma, trazendo em si mesma desvantagem biológica. Isto foi
formulado por Scadding (1967) para a doença física e desenvolvido para a doença
psiquiátrica por Kendell (1975). Desvantagem biológica implica fertilidade
reduzida e/ou vida mais curta.
5 - A doença tem implicações legais. Por exemplo, as
circunstâncias que resultam em doença podem dar direito à compensação legal; se
o comportamento resulta da doença, isto pode reduzir a pena. Da mesma maneira,
a doença mental é um conceito que pode justificar detenção compulsória em um
hospital (Lei da Saúde Mental, 1983; Blugass, 1983) e criminosos mentalmente
enfermos são tratados pela lei de uma maneira diferente de outros criminosos
(Bluglass e Bowden, 1990).
Normalidade/Anormalidade
A palavra normal é
usada corretamente no mínimo em quatro sentidos na língua inglesa (Mowbray,
Rodger e Mellor, 1979). Estes consistem das normas de valor, estatística,
individual e tipológica.
*A norma de valor tem o ideal como seu conceito de
normalidade. Assim, a afirmação "é normal ter dentes perfeitos" está
usando a palavra normal em sentido de valor - na prática, a maioria das pessoas
tem, no mínimo, algum problema com seus dentes.
*A norma estatística, naturalmente, é o uso preferencial
que a palavra retém no vocabulário científico. O anormal é considerado aquele
que fica fora da faixa média. Se um inglês normal mede 1m80cm, ter 1m60cm ou
1m90cm é estatisticamente anormal.
*A norma individual é o nível consistente de
funcionamento que um indivíduo mantém ao longo do tempo. Após uma lesão
cerebral, uma pessoa pode experimentar um declínio na inteligência, que é
certamente uma deterioração de seu nível individual prévio, mas tal diminuição
pode não representar qualquer anormalidade estatística.
*A anormalidade
tipológica é um termo necessário para descrever-se a situação em que uma
condição é considerada como normal em todos os três significados anteriormente
citados e, contudo representa anormalidade, talvez mesmo uma doença. O exemplo
dado por Mowbray e colaboradores é a doença infecciosa pinta. As manchas
cutâneas causadas por esta doença são altamente valorizadas pelos índios
sul-americanos, a tal ponto que os que não têm esta doença são excluídos da
tribo.
Amostra
Psiquiátrica: População Geral
Na discussão
de saúde e normalidade, é importante apontar as generalizações perigosas que
surgem quando o psiquiatra, normalmente contra sua vontade, é colocado na
posição de perito na conduta total da vida. Não podemos extrapolar do anormal
para o normal; eles tendem a não estar situados em uma linha contínua, mais em
vez disso, são qualitativamente diferentes. A amostra de pessoas que vai a um
psiquiatra é diferente, em muitos aspectos, daquela que consulta seu médico de
família com sintomas psicológicos, sendo que esta população da clínica geral
também difere da população em geral (Goldberg e Huxley,1980). Normalmente, existe um desejo de se
raciocinar do particular para o geral. Com base em nossa experiência com
pacientes esquizofrênicos jovens em um hospital-escola, fazemos generalizações
sobre esquizofrenia. Para sermos capazes de fazer isto devemos saber que os
pacientes que estamos atendendo (nossa amostra da população) são
representativos da população-alvo (esquizofrênicos). Somente poderemos fazer
está afirmação se nossa amostra foi selecionada aleatória na população total
dos esquizofrênicos, de modo que todos os esquizofrênicos tenham tido uma
probabilidade conhecida, igual e maior do que zero de entrar em nossa amostra.
O
Comum/o Esotérico
A psicopatologia descritiva às vezes corre o risco de
cair no esotérico, com um interesse excessivo por síndromes raras. A fim de ter
uso prático, é necessário que se concentre nas manifestações de anormalidade
que são comuns a muitos pacientes:
1. A observação de um fenômeno sem teoria preconcebida é
útil para a conciliação entre diferentes escolas de psicopatologia.
2. O requisito de uma definição precisa formar uma base
para uma pesquisa sólida. Síndromes raras têm seu valor para o aprendizado de
habilidades psicopatológicas, mas o interesse nelas não deve ocorrer em
detrimento de seu uso mais importante – ainda que mais corriqueiro na prática
clínica (Sims, 1982).
COMPREENDENDO
SINTOMAS DOS PACIENTES
O entendimento, tanto no sentido cotidiano quanto no
fenomenológico, não pode ser completo, a não ser que o médico tenha um
conhecimento detalhado da base cultural do paciente e de informações
específicas sobre sua família e seu ambiente imediato. A fenomenologia também
não pode concentrar-se somente no indivíduo isolado, observado em um
determinado momento de sua vida. Deve-se preocupar com a pessoa em um contexto
social: acima de tudo, a experiência de uma pessoa é amplamente determinada por
suas interações com os outros.
Sintoma/Sinal
O paciente queixa-se de sintomas, como se sentir agitado
e desconfortável no calor, com hipertireoidismo. Sinais físicos são detectados
no exame: um leve bócio com ruído audível, perda de peso, pulso rápido e
exoftalmia. A descrição do paciente de um fenômeno mental anormal é geralmente
chamada de sintoma, quer ele queixe-se de algo que o perturba, ou simplesmente
descreva sua experiência mental, que parece patológica para um observador. O
sintoma, pois, considerado como incluindo o sinal, pode ser uma queixa (p.ex.,
um sentimento de infelicidade) ou um item de descrição fenomenológica que pode
não representar queixa do paciente (p.ex., ouvir vozes que discutem baixinho
sobre o paciente, com perplexidade e admiração). O sentimento de infelicidade
pode ser um sinal de doença depressiva; as alucinações auditivas podem ser um
sinal de esquizofrenia. Há, também, sintomas ou sinais comportamentais, como no
paciente que grita para o teto – isto pode ser considerado como um sinal que
sugere alucinação auditiva.
O Método de Empatia: o Método de Observação e Experimentação
O método
clássico na medicina, de obter informações sobre o paciente, ocorre a partir da
anamnese e do exame físico. O uso da fenomenologia em psiquiatria é uma
extensão da anamnese, no sentido de que amplia a descrição da queixa presente
para dar informação mais detalhada. É, também, um exame, já que revela o estado
mental. Não é possível para mim, o médico, observar a alucinação de meu
paciente, nem medi-la de maneira direta. No entanto, para compreendê-lo, posso
utilizar as características humanas que tenho em comum com ele, isto é, minha
habilidade para perceber e usar a linguagem que compartilho com ele. Ouvir e
observar são cruciais para o entendimento. Deve-se tomar muit cuidado
ao se fazerem perguntas. Os médicos muitas vezes identificam sintomas incorretamente
e fazem o diagnóstico errado pois fizeram perguntas capciosas com as quais o
paciente, por meio de sua submissão ao status do médico e ansiedade para
cooperar, está completamente disposto a concordar. A proposta do método
fenomenológico, portanto, é a seguinte:
(1) descrever experiências internas;
(2)
ordená-las e classificá-las;
(3) criar uma terminologia confiável.
A empatia também é de grande valor terapêutico no
estabelecimento de uma relação com o paciente. Saber que o médico entende, e
que é capaz de compartilhar de seus sentimentos, dá ao paciente confiança e
sensação de alívio.
O
Todo Não-Diferenciado – A Parte Significativa
Geralmente, uma classificação de qualquer espécie requer
o exame detalhado de uma grande quantidade de material, para a identificação do
indício, pequeno, mas significativo. Isto se aplica à fenomenologia, na qual a
parte significativa do material psicológico para avaliação fenomenológica pode
ocorrer dentro de uma longa anamnese e exame, onde a maior parte da conversa do
paciente não revela qualquer evidência de doença. O uso da fenomenologia para a
avaliação no estado mental pode ser comparado com o exame do campo no
microscópio. Não se pode esperar extrair algum sentido da amostra de sangue
apenas olhando e focalizando. Deve-se mover a lâmina e conseguir um bom exemplo
para demonstrar o ponto de interesse da massa não-diferenciada.
Comportamento
Aleatório/Significado
Um homem andando de bicicleta ao redor de um canal
encontrou outro homem, robusto, caminhando na direção oposta e carregando um
tubo de borracha. Este levantou o tubo e o bateu no ombro do ciclista, quase o
empurrando para dentro do canal. Ao chegar na cidade mais próxima, o ciclista
registrou a agressão na polícia local, que prendeu o agressor. A polícia
considerou seu comportamento sem sentido e, portanto, solicitou a opinião de um
psiquiatra. Quando questionado a respeito da razão pela qual havia agredido o
ciclista, o homem respondeu que tinha sentido uma dor em seu estômago e ouviu
uma voz dizendo: “Bata no homem da bicicleta e a dor irá passar”; e foi o que
ele fez. Um leigo qualquer, comentando o “comportamento maluco”, pode dizer que
este não tem sentido; mas, como o significado não é sempre aparente para um
observador ou mesmo para a vítima, não se pode negar que não é real, apesar de
psicótico, para o paciente: “Uma ação é, a princípio, intencional” (Sartre,
1943). É importante tentar alcançar o significado subjetivo do paciente e não
somente ficar satisfeito porque a resposta é anormal. O significado
fenomenológico é, algumas vezes, revelado no tipo de resposta; por exemplo,
quando se pediu a um paciente esquizofrênico que explicasse a diferença entre
uma parede e uma cerca, ele respondeu: “Você pode ver através de uma cerca, mas
as paredes têm ouvidos” (Rawnsley, 1985, comunicação pessoal).
Compreensão/Explicação
Iniciamos com a premissa de que o comportamento significa
algo, isto é , que surge com consistência interna, a partir de eventos
psíquicos. Embora o comportamento de um paciente possa ser significativo para
ele, pode não ser possível para nós, os observadores externos, entendê-lo.
Existem muitos níveis nos quais podemos entender. Jaspers contrastou compressão
(verstehen) com explicação (erklären) e mostrou como estes termos podem ser
usados no sentido tanto estático quanto genético. Estático significa compreender
ou explicar a presente situação a partir das informações disponíveis; genético,
como atingiu este estado pelo exame de seus antecedentes, como será observado a
seguir:
1. Se quisermos encontrar significado em um determinado
momento no tempo, o método da fenomenologia é apropriado. A experiência
subjetiva do paciente é dissecada formando-se um quadro estático do que tal
pensamento ou tal evento significaram para ele naquele determinado momento. Não
é feito qualquer comentário de como o evento surgiu e nem alguma previsão ao
que acontecerá depois. O significado é simplesmente extraído como uma descrição
do que o paciente está experimentando e o que isto significa para ele agora.
2. A compreensão genética, em oposição à compreensão
estática, preocupa-se com um processo. Entende-se que, quando insultado, este
homem reage com violência; quando esta mulher ouve vozes comentando sobre suas
ações, ela fecha as cortinas de sua casa. Para compreender a maneira como os
acontecimentos psíquicos originam-se um dos outros na experiência do paciente,
o terapeuta usa a empatia como um método ou ferramenta. Ele coloca-se na
situação do paciente. Se este primeiro acontecimento tivesse ocorrido com ele
nas circunstâncias totais do paciente, o segundo evento, que foi a reação do
paciente ao primeiro, ocorreu dentro do esperado, com alguma margem de certeza.
Ele compreende os sentimentos atribuídos ao paciente a partir da ação que deles
resulta.
3. A
explicação estática refere-se à percepção sensorial externa, à observação de um
acontecimento.
4. A explicação genética consiste na descoberta de
conexões causais: ela descreve uma cadeia de eventos e por que eles seguem esta
seqüência. Compreender e explicar são partes necessárias da investigação
psiquiátrica.
Jaspers faz uma distinção importante entre o que é
significativo e permite empatia, e o que é, em última instância,
incompreensível – a essência da experiência psicótica. Apesar de o observador
possivelmente empatizar com o conteúdo de um delírio de um paciente em qualquer
situação particular, ele não pode compreender ou ver uma conexão significativa
na ocorrência do delírio por si só. O delírio como um evento não é
compreensível: para o médico, parece incompreensível e irreal.
Primário:
Secundário
Jaspers discute os
diferentes significados que podem ser atribuídos aos vocábulos primário e
secundário quando aplicados a sintomas. A distinção pode ser em termos de
compreensão, no sentido de que o primário não pode ser reduzido adicionalmente
pelo entendimento; por exemplo, nas alucinações, na medida em que o secundário
é o que surge do primário de uma maneira que possa ser compreendida; por
exemplo, a elaboração delirante que surge da parte saudável da psique em
resposta a alucinações que surgem da parte não-saudável da psique. Estes dois
significados distintos do termo primário obscurecem a distinção crucial entre
conexões significativas e conexões causais. Para evitar dúvidas em física e
química, fazemos observações por meio de experimentos e então formulamos
conexões e leis causais, ao passo que, em psicopatologia, experimentamos outro
tipo de conexão, na qual eventos psíquicos emergem uns dos outros de uma
maneira que pode ser compreendida – as chamadas conexões significativas
(Robinson, 1984, comunicação pessoal).
A ANÁLISE
DE EXPERIÊNCIA
O que o paciente considera importante ao oferecer a
história de seus sintomas e causas de aflição pode não ser necessariamente
idêntico ao que o médico ou examinador considera importante. O médico pode
muito bem estar tentando determinar as entidades psicopatológicas que estão
presentes, talvez para fazer um diagnóstico, enquanto o paciente está
preocupado em comunicar a agonia que vive, sua intensidade e a forma como esta
é percebida como uma ameaça.
Predição/Quantificação
Na acusação feita à psiquiatria – de não ser científica
por não ser quantificável – existem duas percepções incorretas. Em primeiro
lugar, a quantificação não é fundamental para a ciência, mas secundária. O
fundamental, para o conhecimento fatual ou ciência, é que esta tenha uma
qualidade suficientemente boa para ser preditiva. Em segundo lugar, é possível
quantificar a psicologia subjetiva que tem usado a fenomenologia no estágio de
formação de hipóteses. Popper (1959) introduziu o teste de falsificabilidade
para a ciência: uma teoria pode ser falsificável como um critério de definição.
A fenomenologia, a descrição do estado subjetivo do indivíduo, é falsificável:
está disponível para a refutação, e parte do método empático diz respeito a
convidar o paciente a refutar o relato do entrevistador sobre a experiência
anterior do primeiro.
Forma:
Conteúdo
Como a urdidura e
a trama, a forma e o conteúdo são essencialmente diferentes, mas estão
inextricavelmente entrelaçados. É claro que o conceito filosófico de forma e conteúdo
constitui uma ferramenta didática, um auxílio para o entendimento, e não deve
ser usado de uma maneira concreta ou absoluta. O que é forma a um nível de
classificação torna-se conteúdo em outro, como, por exemplo, artefatos de
madeira podem incluir móveis como um dos muitos “conteúdos”, mas mobília,
quando utilizada como uma “forma” pode também incluir outros artigos
diferentes. A forma de uma experiência psíquica é a descrição de sua estrutura
em termos fenomenológicos, como, por exemplo, um delírio. Visto assim, o
conteúdo é o colorido da experiência. O paciente está preocupado pois acredita
que estão roubando seu dinheiro. Sua preocupação é que “pessoas estão tirando
meu dinheiro”, não que “eu mantenho uma falsa crença apoiada em razões inaceitáveis
de que pessoas estão tirando meu dinheiro”. Ele está preocupado com o conteúdo.
Uma paciente que disse: “Quando giro a torneira, ouço uma voz sussurrando no
cano: ‘Ela está a caminho da lua. Vamos torcer para que ela faça uma
aterrissagem suave’”. A forma desta experiência é o que exige a atenção do
fenomenologista e é útil em termos de diagnóstico. Ela está descrevendo uma
percepção: é uma falsa percepção auditiva e uma percepção auditiva falsa ou
perturbada. Tem as características de uma alucinação e, especificamente, de uma
alucinação funcional. Esta é a forma. A hipocondria é uma doença de conteúdo,
mais do que de forma. A forma pode ser variada. Ela poderia tomar a forma de
uma alucinação auditiva, na qual o paciente ouve uma voz dizendo: “Você tem câncer”;
pode ser um delírio, quando ele acredita falsamente e com evidência delirante
que tem câncer; pode ser, também, uma idéia supervalorizada, quando ele passa a
maior parte do dia checando sua saúde, pois acredita que está doente; pode ser
uma anormalidade de afeto, que se manifesta em extrema ansiedade hipocondríaca
ou um desânimo hipocondríaco de fundo depressivo.
Subjetivo/Objetivo
A objetividade na
ciência passou a ser reverenciada como o ideal, de modo que somente o que é
externo à mente é considerado real, mensurável e válido. Trata-se de um erro,
porque necessariamente avaliações objetivas são subjetivamente carregadas de
valor naquilo que o observador escolhe medir; e é possível tornar este aspecto
subjetivo mais preciso e confiável. Há sempre julgamentos de valor associados a
avaliações subjetivas e objetivas. O processo de fazer uma avaliação
científica consiste de vários estágios: receber um estímulo sensorial,
perceber, observar (tornar significativas as impressões), anotar, codificar e
formular hipóteses. As avaliações objetivas na psiquiatria têm coberto muitos
aspectos da vida. Alguns exemplos, além das muitas medições fisiológicas, são a
medição de movimentos corporais, expressão facial, escritos do paciente,
capacidade de aprendizagem, respostas a um programa de condicionamento
operante, extensão da memória, eficiência ocupacional e avaliação do conteúdo
lógico das afirmações do paciente.
Processo/Desenvolvimento
Da mesma maneira que o entendimento e a explicação
dependem da perspectiva do entrevistador – empaticamente de dentro ou
observando de fora - , assim processo ou desenvolvimento dependem do modo pelo
qual a pessoa vivencia um acontecimento dentro de seu padrão usual de vida, ou
fora do mesmo. O desenvolvimento significa que uma experiência é compreensível
em termos da constituição e da história da pessoa; transtornos de personalidade
seriam vistos como alterações do desenvolvimento. O processo é visto como a
imposição de um evento “de fora”; a epilepsia seria experimentada como uma
ocorrência da doença separada do desenvolvimento normal – o processo da doença
interrompeu o curso normal da vida.
POSIÇÕES
TEÓRICAS DA PSICOPATOLOGIA
Existe uma multiplicidade de psicopatologias. Qualquer
explicação para o comportamento anormal tem o germe de uma teoria da
psicopatologia. A psicopatologia descritiva tenta evitar os inúmeros argumentos
etiológicos, satisfazendo-se com uma descrição do que ocorre, sem solicitar
explicações adicionais. Já discutimos o pressuposto de que os fenômenos da
doença mental têm significados próprios. Uma opinião radicalmente oposta afirma
que qualquer experiência subjetiva é desprovida de significados. Pensamentos,
incluindo o humor e os impulsos, são considerados como epifenômenos, isto é, o
pensar não tem significado ou objetivo, sendo como a espuma da cerveja na parte
de cima de um copo.
Psicopatologia
Dinâmica Descritiva
A psicopatologia é o estudo dos processos psíquicos
anormais. A psicopatologia descritiva preocupa-se em descrever as experiências subjetivas
e também o comportamento resultante durante a doença mental. Ela não arrisca
explicações para tais experiências ou comportamentos, nem comenta sobre a
etiologia ou o processo de desenvolvimento. Esta abordagem para o fenômeno
psíquico anormal contrasta de forma acentuada com outras molduras teóricas da
psicopatologia, como a psicanalítica. Na psicanálise, no mínimo um de vários
mecanismos supostamente ocorre, e o estado mental torna-se compreensível dentro
deste referencial. Explicações do que ocorre no pensamento ou no comportamento
baseiam-se nestes processos teóricos subjacentes, como transferência ou
mecanismos de defesa do ego. Por exemplo, no caso de um delírio, a
psicopatologia descritiva tenta descrever aquilo em que a pessoa acredita, como
ela descreve sua experiência de acreditar, que evidências dá para sua
veracidade e qual é o significado desta crença para sua situação de vida. A
psicopatologia analítica ou dinâmica, no entanto, mais provavelmente tentaria
explicar o delírio em termos de conflitos precoces reprimidos no inconsciente e
que somente agora são capazes de ganhar expressão na forma psicótica, talvez
com base na projeção. O conteúdo do delírio seria considerado uma chave importante
para a natureza do conflito subjacente que tem suas raízes no desenvolvimento
precoce. A psicopatologia descritiva não tenta dizer por que um delírio está
presente: ela somente observa, descreve e classifica. A psicopatologia dinâmica
ajuda a descrever como o delírio ocorreu e por que se trata deste delírio em
particular, com base nas evidências da experiência no início da vida desta
pessoa.
Consciente/Inconsciente
A fenomenologia não pode estar envolvida com o
inconsciente, visto que o paciente não pode descrevê-lo, e, portanto, o médico
não pode sentir empatia. A psicopatologia descritiva não possui uma teoria do
inconsciente, nem nega sua existência. A mente inconsciente está simplesmente
fora de seus termos de referência, e eventos psíquicos são descritos sem se
recorrer a explicações que envolvam o inconsciente.
Orgânico:
Sintomático
A psicopatologia é essencialmente uma abordagem
não-biológica aos processos mentais anormais, de modo que, mesmo quando as
causas orgânicas de uma condição são conhecidas, a psicopatologia está
envolvida na ordenação dos sintomas e na experiência do paciente, mas não tem
em sua patologia orgânica. Há agora muitas conexões conhecidas entre diferentes
doenças psiquiátricas e uma patologia orgânica identificável. No entanto, não é
com estas ligações que a psicopatologia preocupa-se, e sua utilidade não é
dependente da localização de um delírio ou de qualquer outro evento psíquico no
cérebro. No início, psiquiatras de orientação organicista, como Griesinger e
Wernicke, não se preocupavam com o psicopatológico na psiquiatria, mas muito
mais em mapear o cérebro do doente. Isto trouxe excelentes contribuições, como
por exemplo, para a elucidação da natureza e para o tratamento da sífilis
cerebral.
Cérebro/Mente
René Descartes (1596 – 1650) examinou, formulou e
reafirmou pontos de vista sobre a separação entre corpo e mente. Ele descreveu
“L’âme raisonable” – a alma que pensa está alojada na máquina, tendo sua sede
principal no cérebro. Ele descreveu a alma como o engenheiro que alterava os
movimentos da máquina, o corpo (1649). Descartes foi um homem de seu tempo,
refletindo e desenvolvendo concepções dicotômicas da relação cérebro-mente. Um
exemplo deste dualismo cartesiano, que ocorreu antes mesmo de Descartes, é a
seguinte inscrição obituária para Lady Doderidge, que morreu em 1614: ”Como
quando um relógio estragado é desmontado um relojoeiro toma suas pequenas peças
e consertando o que encontra fora de ordem reúne tudo e o faz novamente operar
também Deus esta dama tomou e suas duas partes separou demasiado cedo – sua
alma e seu pobre corpo mortal Mas por Sua vontade seu corpo totalmente são será
novamente unido à sua alma agora coroada Até então, os dois repousam na terra e
no céu separados com o que reuniu tudo o que tem vida nós então nos regozijamos”. Esta clara afirmação de uma absoluta
separação entre corpo e alma encontrase em seu túmulo, que pode ser visitado na
Catedral de Exerter.
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